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A ocorrência conjunta de Covid-19 e dengue gera preocupação no período da quadra chuvosa

  • Denyse Mendes, Juliete Rocha, Juracy Pinheiro e Vanessa Freire
  • 15 de mar. de 2021
  • 10 min de leitura

Atualizado: 1 de abr. de 2021

O número de casos de arboviroses aumentou no ano passado, acompanhando o período do pico de infecções pela Covid-19. Esse mesmo cenário deve se repetir em 2021, com o início da segunda onda do coronavírus no estado


15.mar.2021 às 14h25


Por Denyse Mendes, Juliete Rocha, Juracy Pinheiro e Vanessa Freire


Visita de combate à proliferação do mosquito Aedes aegypti em casas e estabelecimentos de Fortaleza. - Foto: Divulgação/ Prefeitura de Fortaleza


Em maio de 2020, vieram primeiro a perda de olfato e também do paladar, acompanhadas de febre e dores pelo corpo. Sintomas que o estudante universitário, Antônio Lourran Tavares, 22, suspeitou que seriam indícios de Covid-19.


Como a evolução da doença não necessitou de maiores cuidados e houve uma melhora rápida, Antônio não julgou necessário ir ao hospital, nem mesmo para fazer o exame que confirmaria a sua suspeita.


Opção também justificada por ter sido esse o período de pico de casos do coronavírus no Ceará. Residindo ao lado de parentes idosos e de pessoas com comorbidades, o jovem temia correr ainda mais riscos indo ao médico.


Em torno de duas semanas depois do início da manifestação da doença, a Covid-19 deu lugar aos sintomas típicos da chikungunya: febre, dor de cabeça, manchas pelo corpo e dores nas articulações. Tratou-se mais uma vez em casa, tão logo reconheceu os indícios dessa arbovirose, uma doença que ele já tivera cinco anos antes.


Em um curto espaço de tempo, entre os meses de maio e junho, o estudante universitário teve duas das contaminações virais que assolam o Brasil. Passados nove meses de ambas as infecções, Antônio se recupera das sequelas. Segundo ele, os sentidos do olfato e do paladar demoraram quase seis meses para voltar à normalidade, “mas ainda sinto dores nas articulações”, lamenta o rapaz.


Esse parece ser um relato incomum, porém, considerando a sobreposição dos surtos de coronavírus e de dengue no mesmo recorte temporal, não é improvável contrair as duas doenças em sequência. A única inviabilidade talvez seja adquirir uma arbovirose ao mesmo tempo que a Covid-19, pois, em teoria, haveria competição entre os agentes infecciosos.


Os primeiros meses do ano de 2020 foram acompanhados do aumento progressivo no número de casos de Covid-19 e de dengue no Ceará. Embora haja fartos dados sobre a evolução da Sars-CoV-2 no estado, o mesmo não pode ser dito com relação ao acompanhamento das arboviroses.


Dada a sobrecarga do sistema de saúde e o isolamento social imposto pela pandemia, podemos supor que ambas as infecções virais têm sido subnotificadas. Afinal, não são raros os casos de contaminados, com sintomas leves, que relatam não terem buscado qualquer atendimento médico.


Até o momento, o Ceará contabiliza mais de 450 mil casos confirmados de Covid-19, de acordo com a plataforma IntegraSUS. Em relação à dengue, foram 20.653 confirmações em 2020, conforme o boletim epidemiológico da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa). O número é 33,3% maior do que os 15.490 casos da arbovirose registrados em 2019.


Em 2021, segundo dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), já foram confirmados, até o fim de fevereiro, 518 casos de dengue.


Números da Covid-19 no Ceará


Segundo dados recolhidos na plataforma do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), até o último dia 06 de março, 11.664 infectados pelo coronavírus vieram a óbito no Estado do Ceará.


A taxa de mortalidade atual é de 127,7 por 100 mil habitantes. Já a incidência da infecção na população aponta o número de 4.763,9, também por 100 mil pessoas.


Dados do IntegraSUS indicam que, entre os dias 21 de fevereiro e 06 de março, praticamente todos os municípios do estado estão entre risco alto e altíssimo nos níveis de alerta para a Covid-19. A avaliação desse risco inclui incidência de casos, número de internações, ocupação de leitos, taxa de letalidade e porcentagem de testes positivos.


Nesse momento, há a ocupação de 92,65% dos leitos de UTI, segundo atualização da referida plataforma no dia 08 de março.


Números da dengue no Ceará


Em 2020, foram notificados 39.777 casos de dengue no Sinan, sendo este um aumento de 52% em relação ao ano anterior, quando o número total foi de 20.653 notificações. O pico no registro de casos ocorreu no mês de abril. O período coincide com a época de maior índice pluviométrico no estado.

Houve o registro de 17 casos de dengue grave e 13 mortes em 2020. A taxa de incidência foi de 237,4 por 100 mil habitantes. Trata-se de um aumento em relação ao mesmo período de 2019, quando a incidência registrada foi de 182,6.


Já no ano de 2021, foram notificados 2.347 casos de dengue até o início de março, segundo indicadores do IntegraSUS. Desse total, foram confirmados 518 casos, segundo dados da Sesa. Apenas um caso grave foi apontado, no município de Viçosa do Ceará.

Incidência de casos de Covid-19 e dengue no mesmo período de 2020


Em abril de 2020, o número de casos confirmados de Covid-19 no Ceará duplicou em relação ao mês anterior. O mês de maio seguiu a mesma tendência, com uma média de mais de 7.000 casos confirmados na primeira semana do mês.


Os números cresceram até atingirem o seu pico entre o final de maio e a segunda quinzena de junho, com mais de 15.000 casos por semana.


Nesse mesmo período, o estado também registrou o maior número de casos de dengue, próximo de 1.000 ocorrências confirmadas por semana, do início de abril até meados de junho.


Entre os meses de abril e maio, foram 6.343 confirmações, representando 30,7% do total de casos do ano inteiro.

Os dados do coronavírus voltaram a crescer na segunda onda, a partir de fevereiro deste ano. No final desse mês, foi atingida uma marca similar a de maio de 2020, com 405 mortos contabilizados.


Esses números superam aqueles apresentados no primeiro pico, de modo que, no último dia de fevereiro, foram confirmados 19.585 casos.


Em relação à dengue, somente em fevereiro deste ano, foram notificados 1.246 casos, de acordo com dados do Info dengue, sistema desenvolvido por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz.

Os riscos da coocorrência epidêmica


Tanto as arboviroses quanto a Covid-19 são doenças virais. Enquanto a dengue integra a família dos Flavivírus, possuindo quatro sorotipos distintos, o agente responsável pelo coronavírus é o Sars-CoV-2.


A transmissão dos agentes infecciosos, por sua vez, é também diferente. O vírus da dengue é transmitido pela fêmea do mosquito Aedes aegypti contaminado, por isso é considerada uma arbovirose, doença espalhada por insetos.


É esse gênero de artrópode o causador da chikungunya e também da zika, que possuem sintomas semelhantes aos da dengue. Para identificá-las, é realizado um exame sorológico.


Já o Sars-CoV-2 é transmitido por meio do contato com secreções de pessoas contaminadas, que podem se espalhar ao tossir, espirrar ou falar. Quanto à Covid-19, o melhor exame é o RT-PCR, teste feito com coleta de amostra das vias aéreas.


Cada qual, ao seu modo, apresenta um caráter epidêmico no Brasil. A Covid-19 se tornou um caso de calamidade pública, tendo ultrapassado a marca de mais de 272 mil mortos e outros 11 milhões de casos confirmados em nosso país, segundo dados da plataforma Monitora Covid-19 da Fiocruz.


Já os dados do boletim epidemiológico, emitido pelo Ministério da Saúde no final de 2020, apontavam 979 mil casos suspeitos de dengue naquele ano, além de 80 mil notificações de chikungunya e cerca de 7 mil da zika. Pela recorrência anual de surtos, a dengue assume a posição de endemia.


A existência de uma pandemia como a do coronavírus na nossa realidade, porém, não afeta a disseminação das endemias com as quais lidamos todos os anos. Foi isso que a estudante de ensino médio, Yasmin Rodrigues, 15, descobriu ao adquirir primeiro o vírus da Covid-19, em maio de 2020, depois o da dengue, em outubro do mesmo ano.


Yasmin conta, “eu comecei com a perda total de olfato e do gosto”. A febre veio depois, seguida de tosse e dores pelo corpo, por último, admite ter sentido também “muita falta de ar”. Apesar disso, tratou-se em casa. Quanto às sequelas, ela não recuperou o olfato completamente, alegando sentir cheiros distorcidos.


Na dengue, adquirida cinco meses depois, os sintomas iniciaram por dor pelo corpo, vômito e febre alta. A ida ao hospital revelou o diagnóstico da doença, que ocasionou plaquetas baixas e problemas no fígado.


Como ressalta a professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisadora em epidemiologia, Caroline Gurgel, a população está sempre vulnerável à dengue, pois não há vacina.


Por mais que boa parte dos casos sejam leves e tratáveis de maneira simples, “infelizmente, muitas pessoas vêm a óbito por dengue, devido à dengue grave e aos sinais de choque hemorrágico”, considerado fatal, se houver demora no atendimento médico.


O Hospital Leonardo da Vinci tem apenas quatro leitos de UTI disponíveis, de acordo com atualização do IntegraSUS no dia 11 de março. - Foto: Divulgação/ Secretaria de Saúde do Estado do Ceará


Se o enfrentamento da pandemia trás consigo uma grande ocupação do número de leitos em decorrência do coronavírus, torna-se preocupante a ideia de ter casos de dengue também ocorrendo nesse período.


“Onde vou atender esses casos mais graves?”, pergunta-se a especialista. Por isso, ela aponta uma possível influência entre “o aumento do número de casos de Covid-19 e a maior letalidade da dengue”.


A epidemiologista alerta para o fato de que não há garantias de imunidade duradoura para quem já foi infectado pelo Sars-CoV-2. Além disso, não há estudos que comprovem “uma resposta imunológica cruzada” contra novas cepas do vírus.


De modo que, “se as pessoas já adquiriram infecção no pico da pandemia, no ano passado, elas já estão vulneráveis novamente”, enfatiza a pesquisadora.


Com a dengue ocorre o mesmo, haja vista que, dentre os seus quatro subtipos (DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4), a contaminação por um deles não confere imunidade para os sorotipos restantes. Por esta razão, há uma vulnerabilidade infecciosa permanente da população em relação à dengue.


Caroline Gurgel projeta um cenário “desesperador” para 2021, no qual a grande quantidade de casos de Covid-19 vai se sobrepor, no primeiro semestre do ano, ao período endêmico da dengue.


Em suas palavras, logo “vamos começar a ter a coinfecção de Covid-19 e dengue na nossa população”, ambas “condições clínicas importantes e que têm um rápido agravamento dos sintomas”, nas suas formas mais graves.


A alternativa encontrada pela professora da Faculdade de Medicina para evitar esse quadro é investir na educação em saúde, voltando a atenção para o nível mais básico, de modo a orientar a população quanto aos cuidados necessários. Segundo a médica,


“o melhor que podemos fazer é dar informação para as pessoas e tentar convencê-las a aderir às medidas sanitárias, tanto para evitar contrair a Covid-19 quanto para tentar, ao máximo, também não adquirir a dengue”.

Sintomas: similaridades e distinções


É notável que a existência de duas epidemias em paralelo é preocupante, ainda mais considerando a semelhança de ambas as enfermidades no quadro clínico inicial, o que pode dificultar diagnóstico e tratamento adequados.


Febre, dor de cabeça, dor muscular e mal-estar generalizado são sintomas comuns para várias doenças, não apenas Covid-19 e dengue. Com o aumento no número de casos nesse período do ano, torna-se necessário distingui-las de maneira mais precisa.


A especificidade do coronavírus consiste no fato de ser uma síndrome respiratória, resultando em sintomas gripais, como febre, dor de garganta, tosse seca e cansaço, além de dificuldade para respirar.


Há também uma recorrência de anosmia, ausência de percepção olfativa, e de ageusia, falta de sensibilidade do paladar, principalmente em casos considerados leves, como observado em um recente estudo publicado na Journal of Internal Medicine.


“Eu fiquei muito cansado, depois perdi o olfato e o paladar, foram sintomas leves, mas todo perfume tinha o mesmo cheiro”, relata o estudante universitário, João Kléber Oliveira, 25, infectado pela Covid-19 em abril do ano passado. Ele recuperou parte do olfato e do paladar apenas depois de realizar terapia olfativa.


Já a professora Verônica Freire, 54, que contraiu o coronavírus em abril de 2020, apresentou sintomas mais fortes: “Eu fiquei tresvariando, entre a vida e a morte, tremia todinha”. Ela sentiu mal-estar intenso, dor de cabeça, dor nas costas e febre, além disso, ficou com a mucosa bucal ferida e teve alterações no paladar; “a comida chegava a amargar“, afirma a professora.


A epidemiologista Caroline Gurgel explica que o principal diferencial entre a Covid-19 e a dengue são os sintomas respiratórios, pois há uma ausência completa desse tipo de indício na arbovirose.


Por outro lado, a dengue se destaca por “uma febre muito alta de 39/40 graus. O paciente pode vir a apresentar também exantema, aquelas manchinhas na pele, muita dor de cabeça, dor dentro dos olhos, que as pessoas chamam de ‘dor no caroço do olho’, e dores articulares”, completa a especialista.


A dengue, bem como as outras arboviroses, são marcadas por um processo de mialgia, ou dor muscular, mais intenso. Antônio Lourran Tavares, 22, apresentou sintomas de chikungunya em junho passado, ele conta:


“Eu só percebi quando comecei a sentir muitas dores nas articulações. Eu trabalho muito tempo no computador desenhando, então, comecei a sentir que não estava conseguindo segurar no lápis direito, não estava conseguindo mexer a mão”.

O rapaz apresentou outros sintomas, como febre e manchas pelo corpo. Ele relata que “a febre passou, mas as dores nas articulações não”, havia uma oscilação entre períodos de dor com maior e menor intensidade.


Com os movimentos dos membros superiores comprometidos, Antônio também chegou ao ponto de não conseguir se levantar sozinho. Ainda sentindo os sintomas decorrentes da chikungunya, ele apresentou melhora depois de iniciar sessões de fisioterapia para recuperar os movimentos.


Embora a dengue, a zika e a chikungunya possuam sintomas em comum, tais como, febre, mal-estar, dor de cabeça, manchas pelo corpo e dores nas articulações e músculos, a evolução das três doenças possui algumas características próprias a serem destacadas.


A arbovirose com maior incidência de casos e índice de mortalidade é a dengue. É considerada a mais perigosa das três por apresentar sintomas mais fortes e também por evoluir para a forma aguda de maneira muito rápida. Na sua forma grave, inclui dor abdominal intensa, vômito persistente, sangramento das mucosas e choque hemorrágico.


Na zika, os sintomas são considerados mais leves, acarretando uma cura espontânea após cerca de dez dias. O risco maior dessa arbovirose recai na infecção de mulheres grávidas, por causar possíveis complicações neurológicas no desenvolvimento do feto.


A chikungunya é marcada pela artralgia, dores intensas nas articulações (pés, mãos, dedos, pulsos e tornozelos). São dores que podem se tornar crônicas, produzindo uma condição incapacitante que diminui a qualidade de vida dos infectados.


Tanto para a Covid-19 quanto para todas as arboviroses, na sua forma moderada, recomenda-se um tratamento sintomático, ou seja, que trata não da infecção, mas dos sintomas. Incluem-se medicamentos como analgésicos e antitérmicos.


Em acréscimo, hidratação e repouso são sugeridos até que o sistema imunológico responda de maneira adequada ao vírus, eliminando-o.


Nos casos de dengue, porém, não é recomendado utilizar medicação que contenha ácido acetilsalicílico, como a aspirina, e anti-inflamatórios não hormonais, como o diclofenaco e o ibuprofeno, pois estes aumentam o risco de sangramento.


Cuidados preventivos


Medidas simples podem ser adotadas para reduzir as ocorrências de arboviroses, principalmente no período de chuvas. A mais eficiente de todas é evitar focos do mosquito Aedes aegypti.


A doutora em saúde coletiva, Caroline Gurgel, recomenda a adoção de precauções para evitar a proliferação do mosquito: “São aqueles cuidados que nós já temos o costume de ouvir nas plataformas de rádio e televisão“; dentre eles, o principal “é não permitir o acúmulo de água parada em hipótese alguma”, destaca a pesquisadora.


Vigilância em recipientes com acúmulo de água parada. - Foto: Divulgação/ Prefeitura de Fortaleza


A professora ressalta a necessidade de mudanças na conduta da população, a fim de evitar o contágio por ambas as epidemias. Quanto ao Sars-CoV-2, “é preciso a adequação do comportamento das pessoas, dentre as ações, evitar ao máximo sair de casa”.


Além disso, o “uso da máscara é fundamental para ter, pelo menos, uma barreira física contra o vírus, tanto para quem está doente, quanto para quem ainda está suscetível à entrada do vírus no organismo. E se tiver a oportunidade de se vacinar, vacine-se”, encerra.


Fonte: Divulgação/ Ministério da Saúde

 
 
 

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